domingo, 26 de dezembro de 2010

Vendo Van Gogh

Nos vícios o abrigo dos sorrisos.

Uma liberdade aparente, ingrata...

Que tece os fios das estradas de ser.

De entradas e saídas e curvas indefinidas,

Um inverno que proíbe flores,

Mas buscam-se suas cores.

Resta uma, a mais colorida,

Que o gelo não fez cair.

Fuga das ordens de pensamento;

Doce insanidade tentadora,

Que fecha a porta às costas

No corredor sombrio da solidão.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Pra onde vamos?

- Também temos o direito de sermos egoístas,
diz Victor Hugo. Pensei com ele.

- Podemos viver no imediato, sem preocupações com a humanidade. Afinal, morrer não é muito diferente de nascer, então, pra que as preocupações? É isto aqui e pronto.
- Mas, e quem vive com ideais no sangue, com revolta na alma?

Viver nas possibilidades de Revolução. Viver de querer a igualdade. Idéia que de improvável por desesperança, torna-se triste.
Substituiram a palavra ideal pela palavra sonho. Fizeram-nos loucos ou sonhadores. Por fim, sem mais nada melhor... o imediato é mais simples. E temos o direito de sermos egoístas.

O problema é que já o fomos por tempo demais.

Pra onde vamos?
Só não vou para Pasárgada,
Porque sou inimigo dos Reis

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Mago e a bruxa [primeiro encontro]

Primeiro Momento

Semicerro os olhos envoltos em fumaça.
A nuvem é uma bruxa que me leva a caminhar...
Respirar ar fresco e erguer um pouco os braços.
É cansaço Pessoa, é cansaço.
Do abismo que escalo,
Dos gritos que calo.
Na cela, junto retalhos e faço bombas.
Tormentosa espera que me faz refém.
Esperando verem refletidas
As pungentes chamas ardidas
No labirinto de um além...

Segundo Momento

O espelho da bruxa desvenda magos inquietos...
Portam chamas nos olhos. Todos.
O fogo toma o espelho e ocupa o quarto...
O desespero, as vontades;
Não há fuga. Todo sentimento de revolta
Surge de um grito de dor.
E o fogo alastrou-se pela cidade inteira.
Os esgotos explodiam, um após outro, e eis que,
No apagar das luzes, o Poder desabou...
E Nero se ria por zombarem dele.
Mas o povo ainda cantava.

domingo, 8 de agosto de 2010

Lamento a uma interdição

Não queria que minha produção dependesse diretamente do quanto exploram meu trabalho. Absorvem tudo que é vital, velhos morcegos. Queria ter um relógio com mais números, como dizia minha tia Gladis. Ou talvez menos trabalho.

sábado, 1 de maio de 2010

O Saturno de Goya

Há uma eterna luta entre o homem e os limites de sua razão. Enquanto o irracionável existir, continuaremos em construção. Homens inacabados. Com medo do tempo mergulhamos no imediato. Confundimos ilusão com futuro para dormir melhor, e passamos pela vida tímidos, interditados, indivíduos. Sendo apenas indivíduos jamais chegaremos ao homem. Eterna interdição que nos exime da dor ao lado. Perante o outro, nosso espírito não se constrói apenas das diferenças, mas do sentimento de igualdade.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Céu aos homens

Sonhei que voava em sol de outono;
Sorria lágrimas.
Não é privilégio voar em sonhos.
Muitos voam ainda pequenos,
Basta observar os pássaros.
Voar é um fato a eles,
Aos homens, é vontade.
Tira-se dos pássaros o vôo...
Tira-se dos homens a alma.
Não queria asas para ter controle,
Queria fazer parte do céu.
Um céu comum, sem almas amputadas,
sem gaiolas armadas.
Onde pássaros sorriem lágrimas
Naquele sol de outono.

Não sei mais se os pássaros voam de fato,
ou se estão apenas sonhando.

Madrugada

Madrugada...ébria como todas.
Idéias e pressa, o mundo está atrasado.
Atrasado não. Desigual!!!
Saídas? Soluções? Desespero, mais mortes.
Esforçar-se em manter o corpo erguido.
Defender a vida todos os dias. Guerra covarde.
Devaneios, bombas, caos, assassínios.
Animais lutando por espaço...
A madrugada se adianta.
o desânimo faz a cabeça pender...
A desistência clama mais forte: - Faça o teu.
O espírito brada: - Igualdade.
o corpo grita: - Durma.
A resistência sussurra: - Tenta.
Paradoxos constantes, Inquietantes.
Como pensar um mundo
com homens diferentemente iguais?
Como fazer sentir a substância do ser?
Como propor uma luta através da paz?
Mais perguntas e a madrugada vence.
Fica uma lacuna e as mortes na esquina.
Quem atira? a violência ou o homem?
Espero sonhar ainda hoje
nesta madrugada de masmorra e céu laranja.

domingo, 4 de abril de 2010

Os vermes agradecem

Vai. Carrega teu corpo sonolento.
Desperte a pressa atravessando aos saltos,
Não há tempo de sonhar, seja incauto.
Tua sorte é levada pelo vento.

Não pergunte a hora, o atraso é certo.
Ande devagar sem que deixe rastro,
As bandeiras morrem a meio mastro.
Olhe em volta, não há sonhos por perto.

Um mundo de quimera, doce enfado...
Queime tua vida em labor suado,
Mas arrasta teu corpo moribundo.

Arrasta sem choro, descontrolado;
E deixe como teu único legado
Uma covardia que implode o mundo.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

conversas

Escrevi sobre trabalho e suas implicações. Conversando sobre isto, conheci um senhor sábio e fiquei feliz quando percebi, depois de um tempo, que concordávamos muito. Disse-me ele: ...

O empregado

" Não o sabes, é claro, mas eu conheço a tua vida, inteira. Assim, sem que se me ocultem as alegrias extraordinárias ou os desgostos de todos os dias. Conheço tua vida febril: da cama para a rua, daí para o trabalho. Depois o jantar, o corpo extenuado e a noite que te faz dormir. Ontem, amanhã, passado, sucedeu e sucederá o mesmo. A mesma vida, isto é, o que chamas vida. Agora alimentas a mãe, amanhã será a mulher, os filhos. E passarás pela terra como um cão sem dono; ao cão, matá-lo-á um veneno; a ti, também: o trabalho.
E é porque não sabes que és explorado. Que te roubaram as alegrias, que pelo dinheiro sujo que te dão tu deste a porção de beleza que caiu sobre a tua alma. O caixa que te paga o soldo é um braço do patrão. O patrão é também o braço de um corpo brutal que vai matando, como a ti, outros homens. E agora, não castigues o caixa, não. Mas o outro, o corpo, o assassino corpo.
Nós o chamamos exploração, capital, abuso. Os jornais que lês no bonde, angustiado, o chamam ordem, direito, pátria etc. Talvez te aches fraco. Não. Aqui estamos nós, nós que já não estamos sós, que somos iguais a ti: e como tu, explorados e doloridos, porém rebeldes.
E não creias que necessitas ler Marx para isto. Basta que saibas que não és livre, que queres sê-lo, que romperás – por força ou amor, não importa – os freios que te sujeitam e te envilecem. E há de ser dito. Há muitos como tu, como todos. Há que dizê-lo. Porque não é apenas o que não age como pensa que pensa de forma incompleta. Também quem não o diz..."


Apresentou-se estranhamente como Neftalí Ricardo Reyes Basoalto

O capital [ interditos à resistência ]

Demorei a escrever e aproveito para registrar meu afastamento digital. Ando ocupando-me de obrigações que sequestram-me até a luz do sol. Sequer acompanho os fins de tarde do verão. Alugo oito horas do meu dia para comer e sustentar meus hábitos. Durmo outras oito, pois dormir menos cansa-me de encurvar a coluna e diminui meu tamanho. Quando minhas vértebras pesam, confiro ao meu semblante um aspecto de derrota. Incomoda-me. As outras oito horas tenho dedicado-me ao amor, aos amigos (para abrir mão, melhor que não haja vida) e às mais diversas artes para desenvolver meu espírito. Sinto que compreendendo a música, a pintura, o teatro, a literatura, a filosofia e outras artes, leio mais claramente as diferenças humanas. Não para erguer a diferença entre os homens como bandeira, mas para sentir onde somos iguais. Porém só consigo dedicar-me as artes quando não tenho afazeres domésticos ou preguiça. Quando se tem seis folgas em um mês de trinta dias é difícil conseguir dispor de muitas energias contra a preguiça. E no último fôlego para o sopro de resistência olho pela janela, e ao ver tantas vidas ordinárias, desanimo. Mas hoje resolvi relegar o desânimo, a preguiça, as artes e o parto da monografia para divagar sobre minhas angústias. Meu problema não é o trabalho, mas seu produto. Gostaria de trabalhar na mudança própria da ordem das coisas do mundo e não na manutenção desta ordem. Ordem injusta, estranha, covarde. Não quero ser mais um trabalhador curvado aguardando apenas o tempo passar depressa.