sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

conversas

Escrevi sobre trabalho e suas implicações. Conversando sobre isto, conheci um senhor sábio e fiquei feliz quando percebi, depois de um tempo, que concordávamos muito. Disse-me ele: ...

O empregado

" Não o sabes, é claro, mas eu conheço a tua vida, inteira. Assim, sem que se me ocultem as alegrias extraordinárias ou os desgostos de todos os dias. Conheço tua vida febril: da cama para a rua, daí para o trabalho. Depois o jantar, o corpo extenuado e a noite que te faz dormir. Ontem, amanhã, passado, sucedeu e sucederá o mesmo. A mesma vida, isto é, o que chamas vida. Agora alimentas a mãe, amanhã será a mulher, os filhos. E passarás pela terra como um cão sem dono; ao cão, matá-lo-á um veneno; a ti, também: o trabalho.
E é porque não sabes que és explorado. Que te roubaram as alegrias, que pelo dinheiro sujo que te dão tu deste a porção de beleza que caiu sobre a tua alma. O caixa que te paga o soldo é um braço do patrão. O patrão é também o braço de um corpo brutal que vai matando, como a ti, outros homens. E agora, não castigues o caixa, não. Mas o outro, o corpo, o assassino corpo.
Nós o chamamos exploração, capital, abuso. Os jornais que lês no bonde, angustiado, o chamam ordem, direito, pátria etc. Talvez te aches fraco. Não. Aqui estamos nós, nós que já não estamos sós, que somos iguais a ti: e como tu, explorados e doloridos, porém rebeldes.
E não creias que necessitas ler Marx para isto. Basta que saibas que não és livre, que queres sê-lo, que romperás – por força ou amor, não importa – os freios que te sujeitam e te envilecem. E há de ser dito. Há muitos como tu, como todos. Há que dizê-lo. Porque não é apenas o que não age como pensa que pensa de forma incompleta. Também quem não o diz..."


Apresentou-se estranhamente como Neftalí Ricardo Reyes Basoalto

O capital [ interditos à resistência ]

Demorei a escrever e aproveito para registrar meu afastamento digital. Ando ocupando-me de obrigações que sequestram-me até a luz do sol. Sequer acompanho os fins de tarde do verão. Alugo oito horas do meu dia para comer e sustentar meus hábitos. Durmo outras oito, pois dormir menos cansa-me de encurvar a coluna e diminui meu tamanho. Quando minhas vértebras pesam, confiro ao meu semblante um aspecto de derrota. Incomoda-me. As outras oito horas tenho dedicado-me ao amor, aos amigos (para abrir mão, melhor que não haja vida) e às mais diversas artes para desenvolver meu espírito. Sinto que compreendendo a música, a pintura, o teatro, a literatura, a filosofia e outras artes, leio mais claramente as diferenças humanas. Não para erguer a diferença entre os homens como bandeira, mas para sentir onde somos iguais. Porém só consigo dedicar-me as artes quando não tenho afazeres domésticos ou preguiça. Quando se tem seis folgas em um mês de trinta dias é difícil conseguir dispor de muitas energias contra a preguiça. E no último fôlego para o sopro de resistência olho pela janela, e ao ver tantas vidas ordinárias, desanimo. Mas hoje resolvi relegar o desânimo, a preguiça, as artes e o parto da monografia para divagar sobre minhas angústias. Meu problema não é o trabalho, mas seu produto. Gostaria de trabalhar na mudança própria da ordem das coisas do mundo e não na manutenção desta ordem. Ordem injusta, estranha, covarde. Não quero ser mais um trabalhador curvado aguardando apenas o tempo passar depressa.